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Solos de veredas: funções e potencialidades

Atualizado: 28 de dez. de 2020

Por: Ingrid Horák-Terra e Fabrício da Silva Terra


Nascidas nas chapadas e chapadões do Brasil Central, reconhecidas pela presença da palmeira buriti (Mauritia flexuosa L.f.) emergindo em meio a um estrato herbáceo contínuo, e com presença de solo orgânico (turfoso) e/ou mineral com elevado conteúdo de matéria orgânica, as veredas são, com frequência, encontradas encaixadas em canais de drenagens na base de encostas, vales e nascentes.


Solo turfoso, contendo turfa propriamente dita (ou terra preta) - classificado como Organossolo, segundo o Sistema Brasileiro de Classificação de Solos (SiBCS), e horizontes orgânicos de solo mineral - principalmente em Gleissolos Melânicos (SiBCS), são resultantes da decomposição de restos de plantas que se depositam sobre a superfície em ambientes excessivamente úmidos. Cerca de 90% da constituição destes solos é formado por água, o que faz das veredas importantes reservatórios hídricos. Estes ambientes enquadram-se no conceito de áreas úmidas, internacionalmente conhecidas pelo termo inglês wetlands.


Além da elevada importância hídrica para a recarga de aquíferos, inclusive com a melhoria da qualidade da água, as veredas são também consideradas de grande relevância mundial em termos ambientais, apresentando uma diversidade específica de fauna e flora, atuando na retenção de carbono orgânico, na regulação de ciclos biogeoquímicos, no controle de inundações e na regulação do clima. No que tange a este último, evita-se o aumento dos gases de efeito estufa para a atmosfera, tais como CO2 (dióxido de carbono).


Testemunhos (perfis coletados através de uma sonda) de solos orgânicos de veredas das regiões norte e noroeste de Minas Gerais, com aproximadamente 3 metros de profundidade, tem mostrado que estes ambientes vêm sendo formados desde 34.000 anos, apresentado, ao menos, seis períodos de mudanças climáticas até os dias de hoje. Estas mudanças são evidenciadas principalmente por pólen e esporos de plantas que se depositam durante os momentos de formação dos diversos estratos (profundidades) do solo, através do estudo chamado Palinologia, e também por elementos químicos que indicam momentos de erosão e de maior circulação atmosférica. Portanto, as veredas também possuem papel de arquivo ambiental e cronológico da evolução das paisagens, de mudanças climáticas e, ainda, de deposição atmosférica de metais pesados, em escala regional ou até mesmo global. O “efeito esponja” é uma característica destes solos orgânicos, armazenando água de precipitação (chuva) e tornando-a disponível para os principais cursos d’água através da descarga lenta, mesmo nos períodos mais secos do ano. Portanto, as veredas possuem um papel fundamental no balanço hídrico nos ambientes do bioma Cerrado. Muitos afluentes dos rios São Francisco, Parnaíba, Grande, Tocantins, Araguaia e Paraná, possuem veredas como cabeceiras. Recentes estudos realizados pelo grupo de pesquisa coordenado pela pesquisadora Ingrid Horák-Terra têm mostrado que, em áreas de veredas, quando os solos são drenados de forma associada à retirada da vegetação original (Figura 1), processos e atributos dos solos (morfológicos, físicos, químicos e microbiológicos) são modificados. Para se ter uma ideia dos efeitos das degradações em questão, ao longo de 20 anos, cerca de 22% do carbono orgânico foram reduzidos e cerca de 14 kg m-2 de carbono deixaram de ser estocados nestes ambientes. Processos de subsidência do solo (rebaixamento e perda de volume e espessura) e a sua transformação de orgânico em mineral ocorrem e são as consequências mais visíveis. Normalmente, quando os solos orgânicos são drenados, seus poros são reduzidos e o material sólido endurece (“empedra”) assemelhando-se a uma rocha escura ou um carvão. Associados a isso, outros processos passam a operar no sistema, tais como a repelência à água, também conhecida como hidrofobicidade. Nestes casos, ainda que o umedecimento ou molhamento do solo já seco ocorra, o mesmo não será mais capaz de se reidratar. Desta forma, muitos solos em áreas de veredas tornam-se inutilizáveis, mesmo para fins de preservação. Raízes de plantas não se desenvolvem adequadamente neste solo endurecido, e o ambiente como um todo já não é capaz de manter suas funções ambientais. Também, as veredas tornam-se muito mais suscetíveis a incêndios, pois a matéria orgânica seca é um potente combustível.


Tendo em vista o que foi exposto, pode-se concluir que as veredas são ambientes complexos e extremamente frágeis. Sugere-se que, na medida do possível, estas sejam preservadas para a manutenção dos seus serviços ecossistêmicos.


Figura 1. (A) Ambiente de uma vereda localizada no município de Chapada Gaúcha (MG), com a presença da palmeira buriti (Mauritia flexuosa L.f.). (B1, B2 e B3) Solos orgânicos (turfa) de uma vereda preservada, apresentando coloração preta, alta umidade e muitas fibras que confere o aspecto esponjoso ao material. (C1 e C2) Solo de uma vereda em processo de degradação a aproximadamente 20 anos pela drenagem artificial (abertura de canal) e retirada de parte da vegetação original, antes orgânico e agora mineral com cores mais claras e acinzentadas.



Ingrid Horák-Terra

Engenheira Florestal

Doutora em Ciência do Solo

Pós-Doutora em Geoquímica Ambiental

Professora Adjunta do ICA-UFVJM, Campus Unaí

Professora e Pesquisadora dos Programas de Pós-Graduação em Produção Vegetal (PPGPV-UFVJM) e Geologia (PPGGeo-UFVJM)


Fabrício da Silva Terra

Engenheiro Agrícola

Doutor em Ciência do Solo

Professor Adjunto do ICA-UFVJM, Campus Unaí

Professor e Pesquisador do Programa de Pós-Graduação em Produção Vegetal (PPGPV-UFVJM) e Recursos Hídricos (PPGRH-UFPel)

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