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Gestão Compartilhada de Recursos Hídricos... “e eu com isso?”

Estamos vivendo tempos muito difíceis. A pandemia demonstrou como estamos vulneráveis e vivendo sem muito refletir o nosso agir no mundo. Desempenhamos muitos papéis, estamos sempre acelerados e conectados. Recebemos um excesso de informação diária e ficamos com pouco tempo para conviver realmente com nossos amigos e parentes. Estamos solitários em meio a multidão, como diria o pensador Zygmunt Bauman¹. O isolamento e distanciamento obrigatório devido à pandemia de Covid-19 ressaltaram tal situação e proporcionaram com que repensássemos prioridades e reconhecêssemos a importância das pessoas na nossa vida e também do ambiente em que vivemos.


A vida assume o seu papel de relevância que sempre teve, mas que por conta da rotina era relevada a segundo plano. E, agora, como vamos conviver? Como devemos agir no mundo? Como participar da comunidade em que estou inserido? Como estabelecer relações? Seja na família, no trabalho, ou na comunidade vamos precisar repensar como queremos estar nas relações, assumindo nossa parcela de responsabilidade e comprometimento.


Quando falamos do nosso papel na sociedade, nas decisões políticas que nos afetam: você já pensou quanto tempo dedicou à sua cidade ou região? Com a vida corrida, família e trabalho, pouco ou nada resta para dedicarmos à participação social. E estamos a todo momento reclamando por melhores serviços públicos e por políticas públicas efetivas. Porém, esquecemos que clamar por melhorias também exige certo tempo, talvez muitos sequer utilizem os espaços públicos que permitem que seu clamor seja ouvido por quem realmente possa fazer algo. Outras vezes, o próprio Estado não permite que a sociedade alcance um maior grau de participação.


Isso não acontece com a forma que decidimos cuidar de um dos nossos bens vitais: a água doce. Antigamente (não tão antigamente assim!) o tratamento jurídico brasileiro dado à água preocupava-se, inicialmente, com conflitos de vizinhança ou aproveitamento da energia elétrica, percebe-se tal fato pelos dispositivos contidos no Código Civil de 1916 e pelo Código de Águas (Decreto 24.643/34).


Com a Constituição Federal de 1988, todas as águas passaram a ser de domínio público, dos Estados ou da União, extinguindo a categoria de águas particulares ou comuns prevista nos diplomas legais anteriores já citados. Para implementar uma nova ordem, que privilegiasse a gestão descentralizada, a democratização do recurso e a participação da sociedade, criou-se a Política Nacional de Recursos Hídricos (PNRH - Lei no. 9433/97), que inovou em vários aspectos, por exemplo, quando determina a bacia hidrográfica como unidade territorial da gestão.


Na PNRH, um dos meios de tornar a gestão participativa foi incluir em sua estrutura os Comitês de Bacia Hidrográfica (CBH) órgãos colegiados, deliberativos com integrantes que representam a sociedade civil, os usuários e o poder público. Incentivando a coletividade a assumir sua responsabilidade com o ambiente, com o uso de sua água, para a presente e futuras gerações.


Os vários segmentos, com interesses diferenciados e muitas vezes contrapostos, que antes disputavam em outras esferas e de forma muitas vezes violenta, encontram dentro do espaço político dos Comitês de Bacia um local para dialogarem e resolverem de forma colaborativa os conflitos entre os usos. Sim, os próprios envolvidos, quem realmente usa a água, participa da decisão de como resolver os problemas. Não é um juiz ou um burocrata, sentados a quilómetros de distancia do local, da fonte!


A possibilidade de disputas aumenta a cada ano, porque se trata de um recurso vital e, cada vez mais escasso: a água. Em Minas Gerais, até 2018, o Instituto Mineiro de Gestão das Águas -IGAM já havia declarado 65 áreas de conflito pelo uso da água. E, em 2020, criou uma forma participativa, democrática e descentralizada (ainda mais descentralizada que o Comitê de Bacia Hidrográfica) de alocar o recurso: Comissão Gestora Local. Agora é com os próprios usuários que, mesmo antes individualmente outorgados, agora precisam definir como usar a quantidade de água disponível, que virá consubstanciada em uma outorga coletiva da área que foi declarada de conflito pelo IGAM.


Será preciso respeitar as diferenças e construir relações duradouras e colaborativas na sua comunidade, para construir a gestão compartilhada dos Recursos Hídricos no Brasil, que continua a criar instrumentos coerentes com a natureza do bem ambiental pelo qual todos nós somos responsáveis e necessitamos: a água.


Agora é com você! E, lembre-se, até para “lavar as mãos”, como Pilatos, você precisará da água!


¹Zygmunt Bauman foi um sociólogo e filósofo polonês, professor emérito de sociologia das universidades de Leeds e Varsóvia.






Mestre em Ciência Ambiental –USP, Mediadora de conflitos e Consultora Jurídica Ambiental. Autora de vários livros e artigos, dentre eles: Mediação de conflitos ambientais - um novo caminho para a governança da água no Brasil? Editora Juruá.


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